segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Assembleia das Mulheres

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Aborto e direitos humanos

Artigo de Débora Diniz* publicado no Jornal Correio Brasiliense.


A descriminalização do aborto é questão na agenda política da Secretaria de Direitos Humanos no Brasil. A recomendação do recém-lançado 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) é de que o Legislativo descriminalize o aborto modificando o Código Penal. Há muito tempo o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres defendem a tese de que a descriminalização do aborto é uma necessidade de saúde e de proteção aos direitos das mulheres. Sendo assim, o que há de novo nesse reconhecimento de que a descriminalização do aborto deve ser uma ação prioritária de direitos humanos pelo Estado brasileiro? Certamente a recomendação do PNDH não é um simples ato retórico, em particular pelos riscos políticos que o tema provoca em um ano de eleições.

Os direitos humanos fazem parte de um acordo entre as nações. Como resultado de um ato racional de escolha, optamos por viver em sociedades que os respeitam em detrimento dos regimes totalitários ou ditatoriais. Ações básicas de nossa vida social, como o direito de ir e vir e a liberdade de expressão ou de pensamento, traduzidos em atos coloquiais, como ter o direito de frequentar uma comunidade religiosa, estão sob a proteção da cultura dos direitos humanos. Uma nação que assume o marco dos direitos humanos como ponto de partida para o funcionamento de suas instituições básicas é aquela que reconhece nas liberdades fundamentais, em particular no direito à vida, na liberdade e na dignidade, os princípios éticos para o gerenciamento de seus atos e políticas.

Descriminalizar o aborto é uma ação de direitos humanos exatamente por proteger as liberdades fundamentais das mulheres: direito à vida, em razão dos riscos envolvidos no aborto realizado em condições inseguras; direito à liberdade por reconhecer o caráter soberano das escolhas individuais em matéria de ética privada; direito à dignidade, pois somente uma vida com liberdade e segurança pode ser qualificada como digna. No entanto, se afirmar positivamente a descriminalização do aborto como uma medida de direitos humanos pode ainda soar estranho para aqueles que o entendem como uma ameaça religiosa ou como uma violação de direitos potenciais do feto, talvez seja mais simples demonstrar o quanto a criminalização do aborto é um ato de tratamento cruel e inumano do Estado contra as mulheres.

Um Estado que se sustenta na cultura dos direitos humanos não age cruelmente contra metade de sua população, caso se considere que o aborto é um tema exclusivamente das mulheres, o que seria tão absurdo quanto sustentar que o racismo diz respeito apenas às minorias raciais. A crueldade está em punir as mulheres pelos corpos que habitam, em proibi-las de ter acesso às medidas sanitárias que protegem suas necessidades de saúde, em ignorar suas preferências individuais sobre como conduzir suas vidas. Um ato é cruel quando impõe sofrimentos físicos ou mentais, com o objetivo de castigar por algum ato cometido. No caso da criminalização do aborto, o castigo é ao sexo, expresso no corpo da mulher pela gravidez não planejada, mas que deve ser alvo permanente do controle por valores patriarcais.

Mas é possível analisar ainda mais delicadamente o tema da criminalização do aborto como uma violação de um dos direitos mais básicos da vida digna o direito a estar livre de tortura. O Supremo Tribunal Federal irá decidir em breve se as mulheres grávidas de fetos com anencefalia podem ou não antecipar o parto. A anencefalia é uma má-formação fetal incompatível com a sobrevida do feto fora do útero. A ação de anencefalia foi proposta em 2004 e é um pedido de proteção das mulheres ao Estado: elas querem o direito de abreviar o luto pelo feto que não sobreviverá ao parto. No entanto, as mulheres ainda são obrigadas a se manter grávidas, mesmo sabendo que em breve enterrarão o filho. Não tenho dúvidas de que o dever da gestação nestes casos deve ser classificado como um ato de tortura do Estado contra as mulheres.

É nesse marco político que deve ser entendida a recomendação do PNDH. A descriminalização do aborto não é um ato de afronta religiosa, mas de proteção às liberdades individuais. É um reconhecimento público de que o Estado brasileiro não age cruelmente face às necessidades de saúde das mulheres. É uma afirmação de que vida digna para as mulheres em idade reprodutiva significa conceder-lhes a soberania do direito de escolha. Não deve haver punição nem castigo para as mulheres que abortam. Assim como milhões de outras mulheres, as mulheres brasileiras querem viver em um país que reconhece a descriminalização do aborto como uma medida de proteção aos direitos fundamentais.

*Professora da UnB e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis)

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

NOTA SOLIDARIEDADE AO POVO DO HAITI


Prezadas companheiras da MMM,

É com muito pesar que escrevemos a todas hoje, dois dias depois do terremoto catastrófico no Haiti. Estamos muito consternadas e ainda mais tristes com as imagens e notícias que recebemos nos últimos dias, além disso, estamos muito preocupadas pelas nossas companheiras da MMM neste país.


Temos tentado entrar em contato com as companheiras da Coordenação Nacional e dos grupos participantes da MMM no Haiti, mas até o momento presente, não conseguimos falar com nenhuma delas. Chegou a nós a trágica notícia de que faleceram no terremoto nossas companheiras Magalie Marcellin do Kayfanm e Myriam Merlet, militante feminista e atual encarregada do Ministério das Mulheres. Que seus familiares e amigos recebam nossos pensamentos e solidariedade.

Uma boa notícia é que Camille Chalmers, do PAPDA e Jubileu Sul, amigo próximo da MMM e de nossos movimentos sociais aliados, sobreviveu junto com sua companheira e seus filhos, mesmo que sua sogra tenha falecido e sua casa tenha sido destruída.

Estamos avaliando a melhor maneira para ajudar, como mulheres preocupadas em todo o mundo. O que sabemos é que nossa solidariedade é muito necessária, e que também vai ser indispensável a médio e longo prazo. Por favor, pensem em como começar a mobilizar dinheiro e outros recursos em seus países, lembrando que os demais recursos – comida, água, roupas, etc – só devem ser coletadas se vocês sabem um meio de fazê-los chegar ao Haiti. Por favor, nos mantenham informadas de qualquer iniciativa de solidariedade que vocês façam parte em seus países.

Assim que tivermos mais informações a respeito de nossas companheiras do Haiti e como poderemos oferecer nossa ajuda aos que sobreviveram, enviaremos a todas.

Em solidariedade feminista com nossas companheiras e companheiros de Haiti,

Marcha Mundial das Mulheres


sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Plataforma da Ação 2010

Pela autonomia econômica das mulheres

O reconhecimento do trabalho das mulheres e o questionamento da divisão sexual do trabalho estão no centro do debate sobre autonomia econômica feminina. Para isso, é necessário construir novas relações sociais e um novo modelo econômico. O modelo dominante só considera como econômicas as atividades realizadas na esfera mercantil, desconhecendo uma imensa quantidade de trabalho doméstico, de cuidados, e para o auto-consumo, na maioria realizados por mulheres. Além disso, desvaloriza o trabalho assalariado realizado pelas mulheres.

Marchamos por um salário mínimo digno. Denunciamos as diversas formas de exploração da força de trabalho das mulheres, que são submetidas à situações degradantes e à várias formas de assédio. Defendemos a igualdade no acesso ao trabalho e seguridade social universal para homens e mulheres. Lutamos pela reorganização do trabalho doméstico, que deve ser responsabilidade compartilhada com os homens e o Estado, a partir de políticas que implantem serviços públicos como creches, lavanderias e restaurantes coletivos e cuidados para idosos e doentes. A partir da discussão sobre autonomia econômica, seguiremos com nossa crítica à sociedade de mercado, às transnacionais, às privatizações de serviços públicos, à pobreza, em particular das mulheres negras e rurais.

Por um mundo sem violência contra as mulheres

A violência contra as mulheres, realidade presente em todos os países, precisa acabar. Queremos explicitar como e porque ocorre essa violência, cuja raiz está no machismo, transversal à sociedade capitalista, que nos coloca como mercadorias e objetos, seja na indústria da prostituição e pornografia, ou na forma como somos representadas pela publicidade. É preciso dar visibilidade às lutas das mulheres contra a violência sexista, a partir da sensibilização da sociedade e da elaboração de demandas aos Estados, além da realização de campanhas de educação popular que apontem para a conscientização feminista.

Marcharemos pelo fim de toda forma de violência contra as mulheres. Denunciaremos a violência sexista, a prostituição e outras formas de mercantilização do corpo das mulheres, além da exploração que a mídia comercial faz de nossa imagem. Marcharemos pela descriminalização e legalização do aborto, pelo direito da mulher em decidir sobre os rumos de sua vida e sua sexualidade, e pelo fim da violência urbana, que tem no corpo das mulheres uma de suas expressões.

Contra a privatização da natureza e dos serviços públicos

Lutar por Bens comuns e serviços públicos significa afirmar os princípios de soberania alimentar e se posicionar contra as privatizações de serviços públicos e da natureza, além de afirmar a responsabilidade do Estado na garantia de direitos como saúde, educação, acesso à água e saneamento.

É necessário priorizar a agricultura camponesa e familiar, mudar o modelo energético para que outro que garanta a sustentabilidade ecológica, o que só será possível com o fim do financiamento ao agronegócio. A produção industrial e a agrícola devem estar voltadas para o mercado interno e para um modelo sustentável, que diga não às patentes, à privatização da biodiversidade, da água e das sementes, recuperando a função social do uso da terra. A água é um bem público que deve ser utilizado de forma democrática e responsável, por isso somos contrárias à transposição do rio São Francisco. É urgente o fim da exploração depredatória dos recursos naturais, que tem comprometido a sobrevivência das populações e das gerações futuras

Marcharemos pela realização da Reforma Agrária e pela adoção de políticas de soberania alimentar e energética. Exigiremos o fim do desmatamento desenfreado e da poluição, do uso indiscriminado de agrotóxicos, além da moratória do cultivo e comercialização de transgênicos por tempo indeterminado. As mulheres têm papel fundamental no questionamento ao modelo que impõe as prioridades das grandes transnacionais, que ocupam territórios para a expansão do agronegócio, e na proposição e desenvolvimento de alternativas que apontem para a efetivação da soberania alimentar e energética.

Paz e desmilitarização

Queremos evidenciar as conseqüências diretas das guerras e conflitos nas vidas das mulheres, que vão além das enfrentadas pela população masculina dos países que vivem essa realidade. Em contextos de guerra, a apropriação do corpo das mulheres é vista como recurso, forma de controle, intimidação ou troféu. Casos de violência sexista são comuns, praticados tanto pelo exército e por grupos paramilitares, como pela comunidade local, cujos homens passam a rechaçar e culpar mulheres vítimas das agressões. A manipulação ideológica, que está por trás dos conflitos quando propaga, por exemplo, a guerra ao terrorismo, também tem impacto na vida das mulheres, criminalizando as integrantes de movimentos sociais e restringindo seu direito de ir e vir. Além da denúncia do papel dos fabricantes de armas, que tanto lucram com os conflitos e interferem politicamente em seus rumos, este eixo procura demonstrar a responsabilidade dos Estados e da ONU, cujas tropas trazem mais violência às mulheres.

No Brasil, lutamos contra a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais e contra o processo crescente de militarização da sociedade, que se manifesta por meio de atitudes repressivas e violentas do Estado, como os inúmeros assassinatos cometidos pelas polícias, ou na crença de que as armas são capazes de resolver a questão da segurança pública. Deunciamos como essas ações atingem, sobretudo os negros e negras.

Reivindicamos a retiradas das tropas brasileiras do Haiti e somos contra o financiamento público às grandes empresas brasileiras que atuam nos países latino americanos com base em um modelo de desenvolvimento insustentável, que aprofunda desigualdades. Reafirmaremos nossa convicção em um projeto de integração soberana, solidária e com igualdade para os povos da América Latina e Caribe.


terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Seminário Nacional avança na organização da Ação de 2010

Entre os dias 13 e 15 de novembro, 44 mulheres, de 18 estados (AC, AL, AM, CE, DF, ES, MG, MS, PA, PB, PE, PR, RJ, RN, RO, RS, SP, TO), além de representantes de movimentos e organizações como ASA, MST, UNE, ACD-GO, CUT e Contag/ Fetagre se reuniram em São Paulo para debater e encaminhar questões relacionadas à organização da Ação Internacional de 2010 da MMM no Brasil.

O Seminário Nacional de preparação para a Ação de 2010 contou com informes da organização dos estados, novidades sobre infra-estrutura, trajeto e formação das comissões, debates sobre o formato e programação para os dias de marcha, além da retomada do debate sobre a plataforma da Ação e notícias sobre demais atividades que envolvem a Macha Mundial das Mulheres.

Organização nos estados

As atividades de formação e arrecadação de recursos nos estados estão a todo vapor. Já foram realizados debates sobre os quatro campos de ação, encontros, rifas, bazares, festas, plenárias e atos de rua. Os estados estão formando também suas comissões de trabalho, e começam a separar as mulheres para atuar nas variadas equipes que viabilizarão a Ação de 2010.

Os movimentos sociais parceiros também intensificam sua organização, a partir de seminários e campanhas que pautam temas comuns à Ação de 2010. Um exemplo disso é a campanha da UNE pela legalização do aborto, que procura sensibilizar as mulheres estudantes para a questão.

Formato e programação

O seminário debateu propostas de programação e formato dos atos de abertura e fechamento da Ação de 2010. As mulheres se dividiram em grupos para discutir e formularam ideias como plantio de árvores, oficinas de fanzine, colagem de lambe-lambe, atividades culturais, batucada e panfletagens por onde a marcha passar, afinal, um dos objetivos é dialogar com a população das cidades que fazem parte do trajeto. Outra sugestão repetida nos grupos é fazer exibição de filmes, tanto que tenham relação com a luta das mulheres, como compactos das imagens da marcha e do trabalho das equipes, para que todas possam visualizar o conjunto da atividade.

Plataforma e aborto

O debate sobre a plataforma procurou contribuir para a construção de uma pauta nacional a partir dos quatro campos definidos internacionalmente para a Ação de 2010. A discussão girou em torno da necessidade de formular algo que tenha concretude local, a partir da realidade das mulheres nos estados e regiões do Brasil. Foi colocada a necessidade de organizar uma ação de denúncia e reivindicação, que alcance vitórias concretas, trazendo mudanças reais para a vida das mulheres.
Em relação ao tema da autonomia econômica, será preciso entrar no tema da fome, além de reativar o debate sobre o salário mínimo. O tema paz e desmilitarização trará discussões sobre a questão da criminalização dos movimentos sociais, da naturalização da violência e da ofensiva de militarização pela qual passa nossa sociedade, além de demonstrar nossa solidariedade para com as mulheres dos países que passam por guerras e conflitos. O campo dos bens comuns e serviços públicos levantará a discussão sobre soberania alimentar e energética, abordará a questão da reforma agrária e do limite da propriedade rural e enfatizará propostas alternativas de desenvolvimento e proteção ao meio ambiente, como a agroecologia. Já o campo da violência contra a mulher deve explicar a relação entre o sistema de dominação e poder vigente nas sociedades capitalistas e as inúmeras formas de violência às quais as mulheres brasileiras são submetidas, além de defender a autonomia das mulheres sobre seus corpos e a legalização do aborto.

A questão do aborto gerou um debate sobre estratégias para abordar o tema em atividades de formação das mulheres que participarão da marcha. Uma delas é começar a discussão mostrando como o aborto é uma realidade presente na vida das mulheres, lembrando que a não legalização não impede sua realização, mas coloca em risco a saúde e a vida de um grande número de mulheres, especialmente as negras e pobres.

Equipes de trabalho e recomendações

A parte final do seminário discutiu as tarefas e deliberou sobre as equipes de trabalho que tornarão a marcha possível. Foram colocadas recomendações para a formação das equipes de saúde, infra-estrutura, segurança, cozinha, ciranda e comunicação.

Algumas equipes farão reuniões nacionais anteriores à marcha, provavelmente em fevereiro. Outras serão formadas no início da atividade. Os estados têm até o dia 20 de dezembro para definir os nomes das mulheres que participarão das equipes. Foi ressaltada a importância de escolher militantes que possam se comprometer com a realização da marcha e que tenham disponibilidade para trabalhar bastante.

O cadastro geral das marchantes deve ser feito até dia 12 de fevereiro e os estados têm até o dia 15 de janeiro para inscrever as atividades culturais que pretendem realizar. Além da organização de atividades de arrecadação de recursos, formação e montagem das equipes, os estados devem procurar trabalhar o preparo físico das integrantes das delegações e pensar em adereços que demonstrem a força e irreverência das mulheres em marcha.

Fonte: http://www.sof.org.br/marcha/?pagina=inicio&idNoticia=386